quarta-feira, 2 de novembro de 2011


Tapiocas, tambaquis, pirarucus e mapinguaris


matéria extraída do jornal folha de vilhena http://folhadevilhena.com.br/news2011/?p=16855


Um século após o grande empreendimento que foi a construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré, Porto Velho se vê envolvido em outro projeto de proporções internacionais, são as usinas do rio Madeira nas cachoeiras de Jirau e Santo Antônio.





A Amazônia possui uma história trágica em relação aos grandes empreendimentos, muitos dos quais, foram concluídos e não serviram para nada gerando prejuízos fantásticos ao erário e a sua biodiversidade. Podemos citar como exemplos: a Fordlândia 1928, que pretendia plantar milhões de árvores de seringueiras para a indústria automotiva em 1928, não produziu o resultado desejado, o projeto foi abandonado.


O projeto Jarí, maior fábrica de celulose da época, ocorrido na década de sessenta do século XX, também deu errado. A Madeira Mamoré, inaugurada quando a matéria prima que a gerou, a borracha, estava em decadência.


O Real Forte Príncipe da Beira que não chegou a dar um único tiro e a Transamazônica, que foi destruída no primeiro inverno, após sua inauguração.


Vamos ficar com esses exemplos, pois foram muitos os erros cometidos.


As obras das hidrelétricas são fundamentais para atender ao ritmo de crescimento do país, as duas obras já estão em andamento e atraíram várias outras, transformando a cidade em um verdadeiro canteiro de obras. Diante de tantos traumas históricos ficamos temerosos, pois, o projeto altera profundamente um grandioso eco sistema dentro do nosso universo cultural e natural.


Não faço parte do grupo dos “eco chatos” que pretendem a Amazônia intocada, nem dos que apóiam os projetos a qualquer custo. Defendo que antes dos empreendimentos é preciso estudar profundamente a Amazônia, levando-se em consideração as experiências e conhecimentos dos seus pesquisadores e seu povo ao longo da história.


A riqueza deve ser explorada racionalmente e o resultado dessa exploração beneficiar, principalmente, as pessoas que vivem aqui, evitando mais concentração e renda.


A menos de dez anos a cidade de Porto Velho contava com uma dúzia de prédios com mais de dez andares. Em menos de oito anos foram erguidos mais de cinqüenta prédios e estão em construção ou na planta mais de cem. Outras construções menores se proliferam violentamente por todos os lados.


Com a grande onda desenvolvimentista muitas obras públicas foram surgindo e o poder público não consegue concluí-las, gerando desconforto aos olhos de quem acompanha ao longe e desconforto aos que necessitam dos serviços que deveriam ser prestados com a conclusão das obras.


O outrora pacato trânsito de Porto Velho se transformou, congestionamentos e acidentes se tornaram muito mais comuns. As pessoas vivem com realidades que só eram percebidas pela televisão nas grandes metrópoles como São Paulo e Rio de Janeiro.

A cidade que não possuía um Shopping Centers, viu inaugurar um com cinco salas de cinema e mais de cento e cinqüenta salas para lojas.


Outro Shopping já está em construção com previsão para ser inaugurado em 2011.


O cenário cotidiano da cidade é outro, as pessoas andam com maior rapidez nas ruas, não se tratam pelo nome, olham muito mais para o futuro do que para o próprio presente. O passado e as tradições viraram algo sem sentido.


Investimentos dignos das grandes metrópoles estão sendo aplicados, projetos bilionários e quantidades de dinheiro que não se consegue escrever são ditos nos programas televisivos a todo o momento. Porto Velho se tornou uma espécie de capital do “PAC”, Plano de Aceleração do Crescimento implementado pelo governo federal.


Alguns anaistas afirmam que em 2015 a cidade contará com um milhão de habitantes. É assustador para uma cidade que há trinta anos possuía cem mil habitantes e estava completamente isolada do restante do mundo. Temos a sensação de que o poder público municipal foi pego de surpresa, não fez uma projeção ou planejamento correto do que vinha pela frente.


É interessante que tanto dinheiro vá chegando e o sentimento de crise não passe, as parcelas maiores e mais pobres da sociedade não conseguem captar parte dos recursos, a maior parte fica com as grandes empresas dando seqüência à histórica cultura de concentração de renda, somente restos e sobras ficam após a aplicação dos faraônicos investimentos.


Nesse contexto, a cidade e as pessoas se tornaram grandes vítimas do desenvolvimento concentrador de renda. As obras em andamento nos passam a idéia de que foram mal planejadas, não surgiram do diálogo entre a comunidade e o poder público, além de pouco transparentes a aplicação dos recursos públicos.


Assim, Porto Velho, não é reconhecida mais pelos seus filhos mais velhos, tudo está diferente, moderno, acelerado, sem tempo para sua interioridade. Passado, cultura e valores que a identifiquem como uma cidade amazônica: misteriosa, desconhecida, cheia de mitos e lendas fantásticas são elementos que vão saindo da cena cotidiana e quando menos esperamos desaparecem causando um sentimento de angústia e saudade.


O encantamento de botos, cobras grande e iaras dos velhos caboclos, dos xamãs de outrora, saíram da vida real na esperança de se eternizarem nos livros postados nas poucas bibliotecas existentes aqui. Os novos conquistadores, bandeirantes e aventureiros atropelam as regionalidades e impõem seus valores mais capitalistas, urbanos, científicos etc.


Não percebem, a sua volta, pessoas com olhinhos puxados cor avermelhada e cabelos negros ligados a coisas como tapiocas, tambaquis e pirarucus e mapinguaris.

Nenhum comentário:

Postar um comentário